Luci Bortowski: estilista que trocou São Paulo pela Chapada Diamantina inova ao criar roupas com 'tecidos esquecidos'

É jornalista e escreve para o Alô Alô Bahia. Instagram: @hilzacordeiro. Quer sugerir uma pauta? hilza.cordeiro@aloalobahia.com

A indústria da moda é uma das mais poluidoras do mundo e, enquanto grandes marcas se veem diante de acusações de exploração de mão de obra e mau uso dos recursos naturais, trabalhos como o da estilista Luci Bortowski trazem perspectivas para um vestuário mais responsável. Luci resgata 'tecidos esquecidos', como toalhas de mesa, e os transforma em vestidos exclusivos e outras peças feitas para durar. 

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Paulistana, Luci trocou São Paulo pela Bahia durante a pandemia, em 2020, e abriu um ateliê em sua casa no Capão, na Chapada Diamantina. Em conversa com o Alô Alô Bahia, a estilista conta sobre seus processos criativos em busca de uma moda mais sustentável, compartilha aprendizados adquiridos na Bahia e detalha bastidores das colaborações com outras marcas, incluindo Irá Salles. Confira:

Alô Alô Bahia - O teu trabalho consiste em dar uma nova vida para tecidos. Como você resgata esses 'tecidos esquecidos'? Consegue encontrá-los na Bahia?

Luci: Eu chamo de tecidos esquecidos porque eu não trabalho 100% com tecidos antigos. Então, as minhas inspirações partem dos tecidos antigos, que são aquelas toalhas de mesa que, enfim, muitas famílias tinham, que eram bordadas à mão, muitas que vieram de Portugal, da Ilha da Madeira, ou enxovais que tinham as iniciais. 

São tecidos que muitas famílias guardam e acabam ficando com pena de usar, acabam passando de geração em geração, só que os jovens hoje já não veem mais o uso, ou então quando tem um jantar a gente fica com dó de colocar na mesa com medo de manchar e acabam ficando guardados. 
 
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E são tecidos muito incríveis porque o linho de antigamente era maravilhoso, os bordados muito delicados, manuais. Então, a princípio fui atrás desses tecidos, que eu garimpo em São Paulo. Como eu moro na Chapada, não tenho aquele tempo do garimpo, então acabo comprando de pessoas que garimpam e revendem em feiras de antiguidade, então essa é minha maior fonte desses tecidos antigos. 

Uma das características das peças é que eu tenho incorporado os furos, as manchas desses tecidos. Vou bordando em cima, contornando os furinhos. No final, as peças vão ficando bem diferentes uma da outra, bem exclusivas, por isso que acaba demorando mais esse processo.

As peças têm conectado muito as pessoas a partir de memórias porque são tecidos que marcaram muitas famílias, elas se envolvem sentimentalmente. É um convite pra reviver essas histórias, para dar uma nova expectativa de vida para esses tecidos que a gente tem muito apego e não sabe o que fazer.

Além disso, eu trabalho com tecidos novos, mas que são de alguma maneira descartados. Eu compro retalhos de linho em lojas e depósitos de fábrica, por exemplo. Às vezes, sobra uma metragem de uma confecção. Então a minha ideia é sempre usar o tecido, reaproveitar e aumentar o ciclo de vida, independente dele ser antigo ou não.
 
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A primeira coleção que eu fiz, trabalhei com tecidos que eu tinha guardado da minha avó e percebi que eu não conseguiria fazer uma coleção só com esses tecidos. Então, fui atrás de um garimpo em São Paulo. Eu vendi em um evento que eu organizei no Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador. A segunda coleção que eu fiz foi com uma marca de São Paulo, que se chama Soleil D'Été, foi uma collab, com retalhos que a Soleil tinha das coleções passadas. 

​​A terceira coleção foi uma collab com a Irá Salles, que é de Salvador. A Irá me escreveu me contando que ela tinha um baú com muitos tecidos antigos que eram heranças, que eram bordados da sua avó, da sua bisavó, e ela me deu todos esses tecidos antigos dela para que eu pudesse criar com esses tecidos. Eu sei que tem muitos tecidos antigos guardados por aí e conforme eu vou falando e mostrando sobre esse trabalho, as pessoas vão falando o quanto elas têm em casa.
 
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AAB - Em outra entrevista, você contou que esteve estudando sobre economia circular, bioconstrução e sistemas agroflorestais. Onde tem aprendido sobre esses temas e como eles se conectam com a moda que você propõe?

Luci - Já desde São Paulo, antes de vir pra cá, eu vinha estudando possibilidades sustentáveis no design de moda, desde tingimentos naturais, outras maneiras de se reaproveitar tecidos, novas tecnologias. A economia circular propõe que não exista resíduo, que o resíduo seja novamente inserido na linha de produção. 
 
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Quando eu vim para o Capão, no início da pandemia, eu estava trabalhando à distância com uma marca de São Paulo, a Fernanda Yamamoto. Mas eu já estava buscando outras possibilidades de trabalhar com produção de roupas, de uma maneira mais condizente com o que eu acredito para o futuro, pensando em questões de sustentabilidade. 

Eu sempre pensei muito na reutilização de roupas, de tecidos. Essa questão do resíduo, do lixo, dos estoques das fábricas produzindo sem parar, acabaram sendo empecilhos na hora de criar. Aqui, eu comecei a realmente perceber outros valores e outras coisas que eu gostaria de priorizar na criação.
 
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Eu me mudei para cá, tive toda essa mudança de vida, de ambiente. Meu companheiro estava estudando e começando um projeto com agroflorestas e bioconstruções. E o que a gente foi percebendo era a importância do reaproveitamento de resíduos. Então, é uma moda regenerativa. Num sistema de economia circular a gente entende que, no tecido que não está sendo usado, a gente vai enxergar nele todo o potencial e re-inserir no sistema de produção. 

Então, a minha ideia é isso: A gente não tem que comprar mais tecido, tem muito tecido por aí, tem muito tecido sendo descartado, montanhas e montanhas de resíduo têxtil e a gente não precisa de mais um tecido, de mais uma roupa. A gente tem que lidar com o que a gente tem. Minha ideia, então, é realmente como uma frase que eu já já ouvi, que não fui eu que criei, e que diz que 'o tecido mais sustentável é aquele que já existe'. É uma frase que me impactou muito quando ouvi a primeira vez e realmente acho que é isso.
 
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AAB - Como funciona a venda das tuas peças?

Luci - Cada coleção tem sido uma experiência. A princípio, todas as minhas vendas se deram com as parcerias, as collabs. A última venda foi através da Nordestesse. Eu conheci a Daniela Falcão num evento com a Irá Salles e Daniela, então, me selecionou como uma marca para participar de um evento da plataforma que aconteceu na loja Pinga, em São Paulo. 
 
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Para fazer parte da Nordestesse, inclusive, é uma questão, né? Eu até falei para ela que eu sou paulista, mas o fato de eu estar desenvolvendo tudo aqui na Chapada me possibilita fazer parte desse grupo que é muito incrível. Estou imaginando, em breve, desenvolver um site para conseguir vender as minhas peças. Eu vendo pelo Instagram, mas pouco, e nada ainda no Capão. Acho que, no momento, o meu público não está aqui. 

Eu tenho trabalhado com peças bem exclusivas, é um trabalho bem moroso. Tenho uma pessoa que costura para mim. Já tive peças que demorei duas semanas para fazer. Eu tenho hoje uma produção bem pequenininha. Para se ter noção, a cada coleção eu consigo criar de 40 a 45 peças. 
 
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AAB - Ter vindo para a Bahia te trouxe outras formas de pensar e executar o teu trabalho?

Luci - Com certeza estar na Bahia tem me transformado muito, principalmente por estar no Capão, onde as coisas acontecem em outro ritmo, onde a gente não consegue solucionar tudo de imediato. Eu sou muito mal acostumada porque em São Paulo a gente consegue solucionar tudo a qualquer momento. 
 
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Estar aqui me fez perceber o tempo. Isso tem transformado muito o meu projeto, meus processos e ideias. Acho que nas cidades as pessoas são totalmente sobrecarregadas de necessidades que não existem e ficam ansiosas criando novas necessidades o tempo todo. E a cada momento que elas encontram algo nas ruas, no celular, já se sentem atrasadas em relação àquilo: deveria ter aquela bolsa, deveria me alimentar melhor. E aqui, eu consegui me distanciar disso e viver o que é real e necessário de verdade.
 
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Fotos: Heleno Alleh e Divulgação

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