João Miguel fala sobre arte nordestina, momento político e Netflix

Celebrado entre os fãs do cinema nacional, o ator baiano João Miguel tem conseguido um feito raro na TV brasileira: manter autoralidade artística em seus projetos. Do extravagante e controverso Só Love, da minissérie O Canto da Sereia (2013), ao divertido cangaceiro Belarmino, da novela Cordel Encantado (2011), o ator experimentou diferentes experiências em produções de forte apelo estético e estilístico. Um dos protagonistas de 3%, primeira série produzida no Brasil pela Netflix (que é sucesso de público nos Estados Unidos e estreia segunda temporada em 2018), o artista esteve, na última semana, no Ceará para participar do Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga (FNT) e conversou com o jornal O Povo. Confira os melhores trechos da entrevista.
 
O FNT surgiu, há 24 anos, com a proposta de celebrar o teatro nordestino. Em 2017, você ainda acredita ser possível falar em unidade das artes cênicas produzidas na Região?
Acho que sim. O lugar da gente sempre é um lugar de referência, sempre foi e sempre será um caldeirão de perguntas. Quando a gente fala em Nordeste, são muitas as identidades culturais e podem surgir muitas coisas daqui como surgiu o manguebeat, como surgem agora coletivos galgados num espaço que não é o folclórico e sim o que é vivo. Eu acho que cultura popular é muito pop, porque está sempre se reinventando. O bumba meu boi de 150 anos atrás não é mais o mesmo de hoje, porque ele se adapta às circunstâncias, a gente se adapta. Não existe um purismo nessa unidade do teatro nordestino, mas eu acredito nas trocas, nas referências, nos impulsos. Existem tradições que nos influenciam.

Você trabalha em grandes veículos como a Rede Globo. Não se torna difícil manter a raiz de ator de teatro?
Você não pode plantar feijão e colher arroz. Eu vim desse lugar autoral, essa é a minha escola, minha base desde o teatro e eu entro no cinema fazendo isso. Eu participo de experiências em veículos maiores também levando meu autoral. Na Globo, fiz personagens completamente diferentes um do outro. Eu não estou estigmatizado num tipo, talvez por ter essa bagagem, e isso é algo essencial em mim.

Você participa de uma experiência inovadora que é uma série da Netflix gravada no país. O formato de série em plataforma de streaming interfere no seu modo de criar?
Me interessa poder ter experiências instigantes. Esse circuito das séries hoje é um espaço interessante do audiovisual, em que você pode fazer mais de uma temporada e desenvolver um personagem em dez episódios. No caso de 3%, foi curioso, porque dialogou com uma galera que eu não tinha ainda aberto uma janela, que é a galera de 13 a 20 anos. Eles têm outra lógica, outro jeito de olhar, essa troca é o que mais me interessa.
 
É mais difícil ser artista no Brasil de 2017?
As políticas culturais estão totalmente entrelaçadas a um olhar de gestão criminoso, sobretudo, por não priorizar de maneira nenhuma o cidadão. A cultura é um espaço de formação cidadã e é muito triste perceber que poucos avanços que foram feitos são destituídos, abafados e tirados por um modelo onde prevalece o velho olhar do coronel. É preocupante e agressivo o que está acontecendo com a cultura, mas não dá pra ficar na tristeza. É bom para a gente olhar e ver o que é que a gente pode fazer de novo.

Foto: Reprodução. Siga o insta @sitealoalobahia.

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